domingo, 13 de outubro de 2013

Fernando Lobo Carneiro



(1913 - 2001)


Entrevista concedida a Luiz Bevilacqua (Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia, UFRJ), Ildeu de Castro Moreira (Instituto de Física, UFRJ) e Alicia Ivanissevich (Ciência Hoje).


Publicada em setembro de 1991.


De família mineira, o engenheiro reconhecido internacionalmente na área de estruturas, Fernando Lobo Carneiro nasceu em 1913, no Rio de Janeiro. Passou a infância numa chácara, na Gávea, então um bairro remoto e bucólico. Sempre se destacou nos estudos. Ainda cursando o quinto ano da Politécnica, estagiou no escritório de cálculo em concreto armado de Emílio Baumgart, onde adquiriu conhecimentos que resultariam em aplicações futuras, como o cálculo da estrutura do edifício da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, da ponte rodoviária sobre o rio Doce (Ponte Nova, MG) e do interceptor oceânico Glória-Botafogo, no Rio de Janeiro. Pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) durante 33 anos, realizou trabalhos de relevo, como o ensaio para a determinação de resistência à tração dos concretos, hoje internacionalmente adotado, e um método de dosagem experimental, publicado em Dosagem de concretos, editado pelo INT em 1943. Várias vezes morou no exterior: em Montevidéu, estudando na refinaria de petróleo da Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y Portland (ANCAP), em 1939; em Viena, como representante do INT no Comitê da International Organization for Standardization (ISO), em 1956; e em Paris, junto à União Internacional dos Laboratórios de Ensaios e Pesquisas sobre Estruturas e Materiais (RILEM), em 1964. Desde 1960, participa dos trabalhos do Comitê Europeu do Concreto como delegado brasileiro. Enquanto morou na França, dedicou-se ao estudo da história da ciência, tendo publicado um artigo sobre Galileu. Convidado para o cargo de professor titular da Coppe em 1967, organizou o curso de engenharia civil. Como coordenador geral do contrato de cooperação técnica entre a UFRJ e a Petrobrás, presidiu as comissões organizadoras de sete congressos internacionais sobre engenhariaoffshore. Muito querido pelos alunos, foi paraninfo de sete turmas de engenharia civil. Aos 78 anos, Lobo Carneiro recorda os momentos mais importantes de sua carreira, com a verve de quem muito viajou, muito viveu e tem o que contar.


Como surgiu o seu interesse pela engenharia?


Por influência do meu pai, Otávio Carneiro, que era engenheiro. Eu o admirava muito e, na época, era quase uma tradição seguir a carreira do pai.


Em que ano se formou no curso de engenharia?



Em 1934, na Escola Politécnica da Universidade do Brasil, atual Escola de Engenharia da UFRJ. Até hoje minha turma se reúne todas as primeiras quintas-feiras do mês para almoçar no Iate Clube do Rio de Janeiro. São umas 20 a 30 pessoas, a maioria já com mais de 80 anos. Dom Inácio (Renato Barbosa Acioli), do Mosteiro de São Bento, João Alves de Moraes e eu somos os mais moços. Costumam dizer que vou almoçar com a turma dos velhinhos.


Nesses almoços, o clima é de saudosismo?


Não, somos todos jovens de espírito e cada um se considera mais moço que o outro. O Pedro Tavares, com 85 anos, é o mais animado e disposto. Embora parte da turma já tenha morrido, ainda resta um bom número.


Começou a trabalhar assim que se formou?


Na Escola de Engenharia havia uma comissão de ensino prático que propiciava estágios aos alunos. Tentei uma vaga no escritório de cálculo em concreto armado de Emílio Baumgart, o primeiro projetista de grandes obras de concreto armado no Brasil e o introdutor no Brasil desse tipo de empresa de consultoria. Fiz um exame, junto com Flávio Botelho Reis, e fomos ambos aprovados. Já na primeira semana de trabalho, Baumgart nos pagou as horas que tínhamos gasto para fazer o exame. Era realmente uma pessoa extraordinária. Fiquei um ano em seu escritório, trabalhando oito horas por dia, e praticamente não freqüentei o curso de engenharia. Lá participei de projetos e detalhamentos para obras de muitas estruturas importantes. Baumgart tinha sido o autor do projeto da sede do jornal A Noite, na Praça Mauá, o primeiro edifício alto de concreto armado feito no mundo. Os prédios altos que já havia em Chicago e Nova Iorque eram todos de estrutura metálica. Na Europa, não havia nenhum. Nessa época, eu ainda não era aluno da Escola de Engenharia, mas meu pai, como fiscal da obra, me levava para conhecer as estruturas do edifício e acompanhar a construção. Foi trabalhando com Baumgart que aprendi concreto armado. Mais tarde, além de funcionário do Instituto Nacional de Tecnologia, trabalhei com concreto armado nas horas vagas, por 20 ou 30 anos, boa parte associado a meus colegas Marcelo Porto e Paulo Oliveira Castro.


Continuou trabalhando com Baumgart depois de formado?


Acabei deixando o trabalho porque ele exigia tempo integral e minha vocação não era ficar calculando concreto armado oito horas por dia. Tive então duas ofertas de emprego. Uma foi do Lélio Gama, que mal me conhecia. O titular de mecânica racional da Escola de Engenharia era Sodré da Gama e Lélio Gama era o adjunto, por isso ganhou da turma o apelido de Gama' (Gama Linha). Alguns dos alunos aprovados com nota dez costumavam ser chamados para ser monitores. Assim, Gama' me procurou para ser seu assistente. Na mesma ocasião, porém, fui convidado para trabalhar com Paulo Sá, que também tinha sido meu professor no INT, o primeiro instituto de pesquisas tecnológicas do Rio. Como sempre tive vocação para a pesquisa, optei pelo INT, até porque a carreira acadêmica não me seduzia muito. Naquele tempo, os catedráticos só iam a universidade para dar aula, além de haver muita politicagem entre alguns grupos da Politécnica. Trabalhei no INT por 33 anos. O exemplo da atividade altruística de meus tios Astrogildo Machado e Carlos Chagas, pesquisadores da equipe de Oswaldo Cruz, teve também importância nessa opção.


Conte um pouco da sua experiência no INT...


O diretor do instituto era Ernesto Lopes da Fonseca Costa, uma figura extraordinária. Comecei a trabalhar na Divisão de Indústria de Construção, dirigida por Paulo Sá, voltado principalmente para a tecnologia do concreto. Nessa época, escrevi um livro chamado Dosagem de concretos, editado pelo INT em 1943 e em 1953, em que apresentei um método de dosagem experimental, que ficou conhecido como "método do INT".


Foi nessa época que se pensou em transportar uma igreja sobre rolos?


Sim. Foi um episódio muito singular, que ocorreu em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. Eu ainda estava no início da carreira quando surgiu a idéia de se deslocar a igreja de São Pedro - uma igreja histórica, pequena, barroca e com planta elíptica — para o outro lado da avenida Presidente Vargas, de modo a evitar que fosse demolida. O projeto consistia em substituir a parte inferior das paredes da igreja por concreto. Sob o concreto, seriam colocados rolos que serviriam para deslocar a igreja até o outro lado da avenida. A Franki — uma empresa de fundações e infra-estruturas - tinha tido sucesso na Europa no transporte de construções sobre rolos de aço. Mas aqui no Brasil surgiu a idéia de fazer rolos de concreto. Os de aço eram calculados através da fórmula de Hertz, mas a questão era como calcular os de concreto. Eram rolos de 60 cm de diâmetro. Paulo Sá me designou para fazer o ensaio. Quando pus o rolo de concreto na máquina, ele quebrou de uma maneira inteiramente diferente dos de aço: por uma fissura vertical, abrindo-se em dois. Estudei isso teoricamente e me ocorreu propor um novo método para a determinação da resistência à tração dos concretos. A resistência à compressão era determinada em cilindros ensaiados verticalmente. Pondo esses cilindros deitados entre os pratos da máquina se determinaria a resistência à tração.


Chegou a publicar esses resultados?


O método foi logo levado à reunião de fundação da RILEM. Isso ocorreu em 1947, por iniciativa de um grupo de diretores de laboratórios, composto por cerca de 14 pessoas, sob a direção do Robert L'Hermite, diretor do Laboratório de Ensaios e Pesquisas sobre Construção e Obras Públicas, da França. O diretor do INT, Fonseca Costa, levou a reunião da RILEM uma tradução em francês do artigo em que eu descrevia o ensaio de compressão diametral do concreto. No Brasil, na época, ninguém deu muita importância àquilo, mas na França logo começou a ser usado e passou a ser chamado de "essai brésilien". Depois de ser aceito pela American Society for Testing Materials, em 1962, ficou conhecido também nos Estados Unidos como "brazilian test". Recentemente, em 1980, foi adotado pela International Organization for Standardization (ISO). Interessante é que, dez anos depois de o ensaio ter sido divulgado, descobrimos que um japonês tinha proposto algo muito parecido em seu país, mas não tínhamos tomado conhecimento disso porque as relações entre nossos países estavam rompidas na época, por causa da guerra. Só que eu formulei o ensaio um pouco antes dele. De modo que esse método internacional, conhecido como "ensaio brasileiro", é considerado de minha autoria.


E o que aconteceu com a igreja?


Acabou sendo demolida, porque suas alvenarias eram bastante espessas - algumas tinham mais de um metro - mas completamente heterogêneas. Dentro delas havia pedaços de estátuas, madeira, tijolos etc., o que as tornava fracas. Além disso, o prefeito da época, Henrique Dodsworth, começou a ser ridicularizado. Diziam: "O velho está gagá, quer deslocar uma igreja sobre rolos...", embora esse tipo de transporte tivesse sido feito na Europa com êxito. Fizeram até um samba sobre o assunto. O prefeito mandou então um ofício à Franki, perguntando se a empresa garantia que a igreja chegaria intacta do outro lado da avenida. O diretor respondeu: "Garantir eu não posso, porque, dada a heterogeneidade das paredes da igreja, pode haver um acidente durante o transporte e ela desmoronar". Diante disso, o prefeito deu o caso por encerrado e mandou demolir a igreja. Depois dessa fase, passei a trabalhar na elaboração de normas brasileiras para o cálculo do concreto armado para a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Fui o redator da edição de 1960 e membro-relator da comissão de normas estruturais. Dediquei muito tempo à questão da normalização, ainda dentro do INT, mantendo sempre meu trabalho em pesquisa experimental sobre o comportamento de grandes estruturas de concreto. Tive a oportunidade também de começar a estudar modelos reduzidos. Foi quando aconteceu um problema com a fundação de um dos pilares da avenida Perimetral, em frente à Praça XV. Fiz então um modelo reduzido para estudar em laboratório o que ocorreria com o protótipo. Tentei imitar o comportamento de uma estaca, baseado na teoria da semelhança física. A pesquisa foi bastante complexa, porque incluiu o modelo do pilar, sua fundação e as estacas.


Como surgiu seu interesse por petróleo?


Foi em 1939, quando o general Júlio Caetano Horta Barbosa, meu parente, foi nomeado presidente do Conselho Nacional do Petróleo e me requisitou para trabalhar com ele. Avisei ao general que não entendia de química nem de petróleo. Explicou que se tratava de engenharia química, não de química, e foi a primeira vez que ouvi falar de engenharia química. Insistiu em que aceitasse o trabalho, dizendo que precisava de pessoas de confiança: "Eu o conheço desde menino, sei que você não mente e vou mandá-lo para estudar numa refinaria no Uruguai". Acabei indo, meio forçado, para a refinaria da ANCAP, em Montevidéu. Comecei estudando o escoamento de líquidos viscosos em dutos e o balanço térmico de torres de fracionamento. Aos poucos, fui aprendendo uns tópicos de engenharia química, de mecânica dos fluidos, balanço térmico, destilação etc. De volta ao Brasil, o projeto governamental de instalar uma grande refinaria de petróleo em Duque de Caxias acabou desandando, por causa da guerra. Em 1941, retomei meu trabalho no INT, na área de engenharia estrutural e tecnologia do concreto.


E a campanha do petróleo?


Empenhei-me nessa campanha por quatro a cinco anos, desde o seu início, em 1946. Fui secretário técnico do Centro Nacional de Defesa do Petróleo e redigi praticamente todo o material publicado na época. Tive o máximo de cuidado para publicar apenas afirmações verídicas; nada de palpites. Monteiro Lobato, por exemplo, dizia: "O Brasil está cercado por países que tem petróleo; não é possível que, justamente no Brasil, Deus não tenha colocado petróleo". Mas devemos lembrar que nesses países ocorrem grandes terremotos e, no Brasil, não. Por força do mesmo raciocínio, Deus deveria também ter brindado o Brasil com terremotos... Como se vê, a lógica do argumento deixava a desejar.


Fale um pouco de sua atuação política...


Ela se limitou à campanha do petróleo, a maior campanha de massas que já houve no Brasil. À frente dela, havia um grupo muito heterogêneo. Estavam, por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro, os socialistas, um setor do Partido Trabalhista, boa parte da bancada da UDN no Congresso, liderada por Afonso Arinos, Bilac Pinto, Maurício Joppert e Aliomar Baleeiro. Havia também alas do PTB e do Partido Republicano de Arthur Bernardes, historicamente contrários aos trustes estrangeiros. Na época eu estive ligado a muitos setores de esquerda, principalmente ao chamado "PCBão" (Partido Comunista Brasileiro). Mas nunca me filiei propriamente ao PCB. Quando houve eleição para deputado — na época o sistema era de representação proporcional e o total de votos de cada partido era dividido por uma cota, ficando os mais votados como deputados e os outros como suplentes — minha candidatura foi registrada pelo Partido Republicano Trabalhista. Cheguei a contar inclusive com o apoio de setores do Partido Republicano, como dona Maria Portugal, mas contei sobretudo com as forças da esquerda. Fui o segundo mais votado pelo partido. O primeiro foi Roberto Morena, que era do PCB. Quando a lei do petróleo começou a ser discutida, Roberto Morena pediu licença e eu passei a substituí-lo na seguinte condição: não representaria nenhum partido; trataria exclusivamente da questão do petróleo, que era do interesse de uma frente de diversos partidos. Até um setor do Partido Integralista apoiava a campanha. Certo dia, insistiram para que eu desse uma entrevista ao jornal do Partido Integralista. Acabei convertendo vários integralistas... Essa foi a minha atuação na Câmara. Assim que a legislação do petróleo acabou de ser discutida eu saí e o Roberto Morena voltou.


Quer dizer que o senhor era suplente de deputado federal...


Exatamente. Fui deputado apenas durante o período de discussão da lei que criou a Petrobrás, em 1951. Getúlio Vargas mandara ao Congresso um projeto de lei dito "flexível", que permitia as mais diversas alternativas, inclusive a concessão dos direitos de exploração a empresas estrangeiras. O projeto foi sendo modificado e, quando ficou pronto, o líder do governo na Câmara, Gustavo Capanema, que era muito meu amigo, disse: "O presidente acha que vocês todos estão com fantasias na cabeça porque o que ele quer é o mesmo que vocês querem". Podia até ser, mas não foi bem isso que escreveu em seu projeto. Só houve um ponto de que Getúlio fazia questão fechada: a manutenção das concessões a duas refinarias particulares: a de Capuava, depois adquirida pela Petrobrás, e a de Manguinhos. O projeto, reformulado, foi então aprovado por unanimidade, só não recebendo o voto do integralista Raimundo Padilha. Eram mantidas as concessões dadas aos dois grupos, desde que sua atual capacidade, expressa em "barris por dia", não fosse aumentada. Antes que a lei fosse votada, apresentei uma emenda. Preocupado, o Capanema comentou: "Mas Lobo Carneiro, já estava tudo tão certinho, todo mundo de acordo!" Expliquei então que a expressão "barris por dia" era ilegal, porque, no sistema de medidas brasileiro, barril não era unidade. Capanema ficou aliviado e, como líder da maioria, apoiou a minha emenda.


Por falar em medida, poderia contar um pouco de seu trabalho na Comissão Nacional de Metrologia?


Criada pelo Paulo Sá, a comissão pertencia ao INT e mais tarde foi transformada no Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro). Nossa missão era restabelecer os padrões nacionais de pesos e medidas. Quando o Brasil aderiu a Convenção Internacional de Pesos e Medidas, recebemos de Paris o metro e o quilograma-padrão. Só que, por obra do destino, o metro-padrão sumiu. Ninguém conseguia achar.... Não estava em lugar algum! Muito tempo depois, encontraram, na Casa da Moeda, uma caixa fechada à chave que estava servindo de calço para uma mesa. Foram ver o que havia lá dentro: era o metro-padrão!


Outro fato curioso. Participei da comissão substituindo temporariamente o cientista Bernhard Gross, uma das maiores personalidades que conheci. Por ser natural da Alemanha, embora naturalizado brasileiro, ele teve de ser afastado durante a guerra, por força das medidas do governo contra os "súditos do Eixo". Gross era um cidadão brasileiro, não um "súdito do Eixo", mas mesmo assim teve de se licenciar.


Quando começou a trabalhar na Coppe?


Um belo dia de 1967 eu estava no INT quando recebi a visita de Luiz Bevilacqua, trazendo uma carta do idealizador da Coppe, Alberto Coimbra, em que me convidava a ser professor da instituição.


(Bevilacqua) A respeito disto, queria fazer um parêntese. Quando falei ao Walter Pfeil sobre minha intenção de trazer o Lobo Carneiro para a Coppe, em meados de 1967, ele deu uma risada, dizendo: "Duvido, isso é impossível, você pirou!" Mesmo assim, fui até ele, levei o catálogo da Coppe e conversei sobre a nossa proposta de implantar o curso de pós-graduação. O Lobo Carneiro achou tudo muito esquisito, mas prometeu pensar. Por outro lado, apresentei a proposta ao Conselho da Coppe. Na época, éramos seis coordenadores, todos com doutorado no exterior. Mas depois de um bom exame do seu currículo, Lobo Carneiro acabou sendo aceito como professor titular. E só com o diploma de engenharia civil!


Para mim, tudo era novidade. Nunca tinha ouvido falar em engenheiro com doutorado. Na minha época, conhecia apenas um, o diretor do INT, que era catedrático da Escola de Engenharia e que, no concurso para livre-docente, tinha recebido o titulo de doutor. Chegando à Coppe, a primeira coisa que fiz foi um curso em Fortran, para aprender a trabalhar com computador. Fiz junto com os alunos e obtive o segundo lugar, o que foi motivo de gozações. O professor Pacitti disse que eu me saíra bem para minha idade — estava com 55 anos! — porque a lógica do computador é inteiramente diferente e os jovens assimilam com muito mais facilidade que os mais velhos. Começamos a organizar o programa de engenharia civil, com poucos professores: um norte-americano, Sidney Santos (professor da Escola de Engenharia), Dirceu Velloso e Paulo Alcântara Gomes (aluno e professor ao mesmo tempo). Posteriormente, convidamos os melhores alunos com mestrado completo para serem docentes, o que foi considerado por muitos uma heresia. Dediquei todo o meu tempo ao programa de engenharia civil e, durante alguns anos, ministrei as disciplinas relacionadas com a aplicação de computadores ao cálculo de estruturas, passando mais tarde para a parte de reologia do concreto e de semelhança física e modelos.


Até então o senhor não tinha lecionado?


O INT não era uma escola, era um instituto de pesquisa. Mas nos últimos anos começaram a ser ministrados cursos experimentais de extensão universitária. Então, durante anos seguidos, dei um curso de bases experimentais da resistência dos materiais, que foi seguido pelo Venâncio Filho e pelo Walter Pfeil. Depois fui nomeado diretor da Divisão de Ensino, cargo em que acabei me aposentando para vir para a UFRJ.


Na Coppe, o senhor também trabalhou com petróleo?


Sim, a partir da cooperação da Coppe com a Petrobrás. Mas desta vez foi na parte técnica, não na área política. Descobriu-se de repente que o futuro do petróleo no Brasil estava no mar, perto do Rio de Janeiro e não no Mato Grosso, como pretendia Monteiro Lobato. A questão era construir estruturas que resistissem a ação das ondas do mar, torres metálicas para a produção de petróleo. O Programa de Engenharia Civil da Coppe elaborou vários programas de computador para o cálculo dessas estruturas, com uma equipe de jovens professores e alunos de pós-graduação. Assim, além de contribuir para o cálculo da resposta dinâmica à ação das ondas, passamos também a trabalhar com ensaios de modelos reduzidos. Os modelos reduzidos de estruturas offshore feitos na Coppe representam uma contribuição bastante original. Pouco se fez no mundo nesse sentido. O Brasil vai ser o primeiro país a produzir petróleo em águas muito profundas, a mil metros. As jazidas que existem no fundo do mar são suficientes tanto para o consumo do país quanto para a exportação. Em resumo, estive ligado ao petróleo por três vezes: na refinaria do Uruguai, na campanha nacional pela criação da Petrobrás e na Coppe.


E sua atividade de consultoria, como no caso do elevado da Paulo de Frontin?


Ainda no INT, fizemos muitas provas de carga como serviço de consultoria. Na Coppe, onde há um laboratório de estruturas que tem uma das maiores placas de reação do mundo, continuamos esse trabalho, inclusive para o elevado da Paulo de Frontin e para uma série de viadutos, como o elevado da Linha Dois do metrô. Foram feitas muitas mudanças nos apoios desse elevado, em função das provas que fizemos. Demos também pareceres, como o relativo à construção da ponte Rio-Niterói.


Por que nunca quis ser diretor da Coppe?


É uma questão de vocação. Mas eu costumava assumir o lugar do Coimbra, quando ele viajava.


O que nos poderia falar do seu trabalho sobre Galileu?


Escrevi esse artigo quando estava na França, em 1964. As pessoas em geral pensam que saí exilado. De fato, tinha sido muito visado quando participava da campanha do petróleo. Na ocasião, o presidente da República, Eurico G. Dutra, telefonou para o ministro Marcial Dias Pequeno, pedindo a minha demissão. O motivo principal era um discurso que eu tinha feito na Paraíba em defesa do monopólio estatal do petróleo. Meu chefe no INT, Paulo Sá, me chamou e disse: "Olha, eu e o Marcial já falamos com o Dutra. Dissemos a ele que a tese que você defendeu era a mesma que o Arthur Bernardes sustentava". O Dutra respondeu: "Se é assim, tudo bem". Mas não fui para a França por causa desse episódio. Fui porque Zenaide, minha mulher, que tinha feito o curso superior em língua e literatura francesa da Universidade de Nancy, na Maison de France, ganhou uma bolsa do governo francês. Procurei então conseguir uma bolsa de estudos para mim. Já estávamos na França quando aconteceu o golpe de 1964. Trabalhei durante um ano no Centro Experimental de Estudos e Pesquisas sobre Materiais e Estruturas, que era dirigido pelo Robert L'Hermite. Eis que, no limiar de 1964, houve em Paris uma exposição da Unesco sobre o tricentenário do nascimento de Galileu. O então embaixador da Unesco, Paulo Carneiro, que era meu primo, me convidou para conhecer todo o material da exposição. Havia textos sobre ele como astrônomo, como físico, seus instrumentos, mas não havia uma palavra sobre as atividades de Galileu ligadas à resistência dos materiais. Lembrei que no livro de história da teoria da resistência dos materiais, de Timoshenko, um capítulo situava Galileu como o fundador dessa teoria. Por sinal, o nome original dado por Galileu era muito melhor: Resistência dos corpos sólidos a serem rompidos. Portanto, embora Galileu fosse o criador dessa teoria, nada havia na exposição sobre o assunto. Meu primo me encorajou a escrever um artigo que corrigisse essa falha. Procurei bibliografia em todas as livrarias de Paris, mas nada encontrei. Resolvi ir a Florença, onde visitei o Instituto e Museu História da Ciência, conversei muito, obtive informações e consegui a bibliografia para escrever o artigo. Ele foi publicado na revista da RILEM.


Só que, antes de escrevê-lo, fiquei com certo receio, porque pretendia propor alguma coisa original, que era justamente a contribuição de Galileu sobre a semelhança física - a "teoria da fraqueza relativa dos gigantes". Galileu mostrou que, quando se faz um modelo pequeno e se passa para um protótipo maior, o peso cresce com o cubo da escala e a resistência, com o quadrado. De modo que o maior fica menos forte que o menor, o gigante é mais fraco do que o homem normal. Feito o artigo, mandei cópia para as duas maiores autoridades em análise dimensional e modelos da época, o norte-americano H.L. Langhaar e o físico espanhol J. Palácios. O primeiro me respondeu com uma carta, dizendo que achara meu artigo "esplêndido" e que estava de acordo com a minha proposta de dar o nome de Galileu a um certo parâmetro adimensional. Citou ainda uns escritos de Vitruvius, que eu não conhecia. Já no primeiro século da Era Cristã, ele dizia que havia modelos que, quando feitos "em grande", resistiam, e outros que não. De Palácios, recebi um pedido de autorização para traduzir o artigo para o espanhol e publicá-lo nos Anais da Academia de Ciências da Espanha. Considero esse artigo o que fiz de mais importante, até hoje. Não se trata de vaidade. Foi a partir dele que me interessei pela história da ciência e fui me aproximando dela cada vez mais. Estudando história da ciência, verifiquei que tinha errado de vocação: devia ter escolhido física, em vez de engenharia.


Como foi esse período na Europa?


Antes de ir como delegado junto à RILEM, estive na Europa, como representante do INT no Comitê ISO em 1956, em Viena. Fui também representante do Brasil no Comitê Europeu do Concreto desde 1960. Recentemente, viajei à Europa com uma licença-prêmio e, depois, em semestre sabático, e aproveitei para estudar análise dimensional e modelos físicos, em bibliotecas. Consegui uma autorização do Instituto e Museu de História da Ciência, em Florença, para manusear os manuscritos de Galileu conservados na Biblioteca Nacional da Itália. Foi algo realmente comovente, já que não se tratava de uma reprodução e sim dos próprios manuscritos. Não descobri nada de novo, porque tudo fora publicado e comentado por Stillman Drake. No entanto, encontrei uns manuscritos de Viviani sobre resistência dos materiais, que apresentavam aspectos interessantes. Espero voltar em breve a Florença para tirar umas dúvidas e escrever um artigo sobre isso. Na França, freqüentei a Biblioteca Nacional, junto com minha mulher: ela pesquisando sobre as expedições francesas no Brasil e eu nessa linha da análise dimensional. Não podemos ir a Paris sem visitar essa biblioteca. É fabulosa! Lá eu descobri, por exemplo, exemplares raríssimos dos Annales Télégraphiques, uma revista dos engenheiros telegráficos do século passado, onde Vashy publicou os artigos em que o teorema de "pi", hoje atribuído a Buckingham, foi enunciado pela primeira vez. Naquele tempo, o telégrafo era a aplicação mais sofisticada da eletricidade. Fora lançado o cabo submarino, ligando a Inglaterra aos Estados Unidos e, para isso, Lord Kelvin conseguiu integrar a "equação diferencial do telégrafo", descobrindo uma lei que determinava o tempo que o sinal levava para atingir certa distância. Vashy aplicou a análise dimensional a esse problema de Kelvin de forma mais completa. O que é mais interessante é que esse artigo não se encontra em lugar nenhum, só na Biblioteca Nacional francesa.


Essa parte histórica consta do livro sobre análise dimensional que vai lançar em breve?


Sim, mas bem resumida. O tema do livro não é história da ciência, é o curso de análise dimensional, semelhança e modelos físicos que ministrei nos últimos anos. Estou trabalhando nos últimos capítulos. O texto já está sendo digitado e espero que saia até o final do ano. É um livro didático, com 12 capítulos, que vai ser editado pela UFRJ.


Que importância tem a história da ciência para a formação de um engenheiro ou de um cientista?


Por dez anos, além de lecionar na Coppe, fui professor da Escola de Engenharia, onde ensinei resistência dos materiais. Sempre que dava esse curso, procurava falar da parte histórica para despertar o interesse dos alunos, falando por exemplo da "fraqueza dos gigantes". Perguntava que comprimento máximo pode ter um fio sob a ação do seu próprio peso, ou que altura máxima podia ter uma montanha na Terra — o que dá um pouquinho mais que o Everest — ou na Lua, com uma gravidade de intensidade seis vezes menor, em que a montanha poderia ser seis vezes mais alta etc. Procurava assim mostrar esse lado histórico para os alunos, e eles achavam muito interessante.




Em geral os alunos não entendem, por exemplo, a vantagem histórica da introdução dos logaritmos...




Meu exame vestibular para a Escola de Engenharia foi feito com uma tábua de logaritmos. Quando cheguei ao terceiro ano, o professor de hidráulica, o Paulo Sá, nos mostrou a régua de cálculo. A turma achou aquilo interessante, e ele acabou dando um curso só sobre régua de cálculo. Mas havia professores que proibiam seu uso, obrigando-nos a ficar com a tábua de logaritmos. Depois que me formei, até entrar na Coppe, trabalhei com régua de cálculo. Na Coppe, comecei a trabalhar com computador; eram computadores que usavam cartões perfurados. Foi depois do computador que apareceu a calculadora eletrônica. A gente pensa que foi antes, mas foi depois. Assim, minha vida passou por essas três fases: tábua de logaritmos, régua de cálculo e computador. Para vocês verem como o avanço é rápido, eu fui uma das primeiras pessoas, quando rapazinho, a ter um aparelho de rádio. Era constituído apenas de uma bobina, um cursor em cima, um par de fones de carvão moído e uma pedra de cristal de galena, que servia de semicondutor. A gente tinha de descobrir o ponto da galena para poder sintonizar a emissora. Com qualquer sacudidela, saía do lugar.


Fale um pouco dos prêmios que o senhor ganhou.


Um dia, recebi do então diretor da Coppe, Sandoval Carneiro Júnior, um comunicado de que mandara meu nome para uma lista de candidatos ao Prêmio "Bernardo A. Houssay". Era um prêmio da Organização dos Estados Americanos (OEA), oferecido a cada ano a uma área diferente da ciência. Alguns brasileiros já o tinham recebido, como César Lattes, na física, Leopoldo Nachbin, na matemática, e Johanna Döbereiner, em ciências agropecuárias. Sandoval me disse que tinha esperanças que eu ganhasse na área tecnológica. Um belo dia, recebi um aviso do Alberto Coimbra, comunicando a obtenção do prêmio. Num primeiro momento, achei que era um trote. Depois soube que tinha ganho mesmo, tendo vencido 39 candidatos de 12 países! Anos depois, recebi o Prêmio Álvaro Alberto, para Ciência e Tecnologia, concedido pelo CNPq. Além disso, recebi o título de Doutor Honoris Causa da UFRJ em 1987. Sou Membro de Honra da RILEM, organização cuja presidência exerci em 1979, e recebi, do INT, o diploma de "pesquisador emérito".


Como foi a sua infância?


Éramos oito irmãos. Meu pai era engenheiro e diretor técnico da única fábrica de vagões que havia no Brasil, a empresa de Trajano Medeiros e Cia. A pedido do presidente da República, Wenceslau Brás, ele desenvolveu a navegação sobre o rio São Francisco. Acabou morrendo com 54 anos, nesse rio, num navio que mais tarde recebeu o seu nome: Otávio Carneiro. Fiquei sem pai, ainda estudante. Ele era um homem empreendedor, um tipo de industrial progressista, e positivista. Já minha mãe era católica. Quando se casaram, meu pai se comprometeu a criar os filhos na religião da mãe. E, de fato, em toda a minha vida não ouvi uma palavra dele para tentar me converter. Fomos todos batizados, mas hoje não tenho religião.


Moraram sempre no Rio?


Todos nós nascemos no Rio. Minha família é originária de Ouro Preto, meus pais nasceram em Juiz de Fora e seus filhos no Rio. Houve, portanto, uma migração. Sou o mais velho entre quatro irmãos homens e quatro mulheres. Apenas um irmão se dedicou à engenharia como eu. Morávamos numa chácara, na Gávea, um pouco depois da PUC, só que do lado oposto da rua Marquês de São Vicente, que ainda era de terra batida. Havia então poucos automóveis. Um deles era um Rolls Royce, de Guilherme Guinle, um solteirão muito simpático. Na nossa chácara, havia plantações de milho, de cana, uma moenda, horta, criação de galinhas e uma vaca leiteira, que meu pai sempre trazia de um sítio que tinha em Juiz de Fora. Havia também um pônei, e nele eu subia a estrada da Gávea (hoje favela da Rocinha), onde havia mata e de onde se via a praia de São Conrado. A avenida Niemeyer ainda não existia.


Como é estar casado há 40 anos?


Eu gosto sempre de fazer uma referência à minha mulher porque a sua solidariedade me tem sido preciosa. Ela me anima a fazer as coisas e inclusive participa. Lê o que escrevo e dá suas opiniões. Alagoana, descendente de português e holandês, Zenaide é minha segunda esposa. Estamos juntos desde 1950. Tenho quatro filhos, sendo três do meu primeiro casamento, seis netos e três bisnetos. Minha mulher realmente é uma pessoa muito importante. O meu livro vai ser dedicado a ela. Nós temos viajado muito. Todo mundo diz que eu sou um grande viajante. Outro dia, recebi uma proposta do seguro de uma empresa americana dirigida aos frequent travellers. Devem ter tirado isso de alguma estatística. Viajamos pelo menos de dois em dois anos. Conheço muito bem todos os países da Europa e também os Estados Unidos. Gosto muito de dirigir automóvel. Sempre que posso, alugo um carro. Na última viagem, aluguei um para dar uma volta completa pela Suíça. Cheguei a subir os Alpes cheios de neve, com muita dificuldade.


Espirito aventureiro... E hobby, o senhor tem algum?


Música clássica. Já estou na quarta coleção. Primeiro, fiz uma discoteca de 78 rotações. Depois, montei uma de LPs de 33 rotações, depois de discos estéreo e agora uma de compact discs. Estou pensando em doar a alguma instituição a minha discoteca mais antiga, porque a coleção de música clássica é enorme. Não sou muito fã de ópera, com exceção de uma ou outra de Mozart. Gosto mesmo de orquestra e música de câmara.


E a leitura?


Li todos os clássicos gregos em versão francesa. Depois li os clássicos franceses, obras de Shakespeare, A divina comédia, de Dante, um romance sobre a peste, de Manzoni etc. Mas confesso a vocês que depois da idade madura, comecei a ler menos e a ouvir mais música. Recentemente, li o livro de Umberto Eco, O pêndulo de Foucault. Não dá para entender onde ele quer chegar... Sinto vontade de perguntar a ele qual é o sentido secreto do livro. Em compensação, O nome da rosa é um livro forte. A minha mulher é que lê muito. Ela é uma grande entendida em literatura francesa.




Na sua visão de engenheiro que ajudou a formar uma escola, qual é a importância de uma instituição como a Coppe, que renovou a engenharia no Brasil e tem uma visão interdisciplinar? O que diria ao jovem que está se formando hoje em engenharia, dadas as condições difíceis de se trabalhar em ciência no Brasil?




É um conselho difícil de dar. Sempre procurei encaminhar para a Coppe aqueles que tinham vocação, porque só nessa instituição teriam condições de fazer pesquisa. Na antiga universidade, isso não existia.


Talvez o senhor sugerisse que eles estudassem física...


Pois é. Acho que os jovens engenheiros precisam estudar mais as matérias básicas, como matemática e física. O sujeito vai aprender engenharia é na vida prática mesmo. Não adianta aprender na universidade como se constrói uma casa, ou como se detalha ferragem para concreto armado, porque para isso seria preciso transformar a sala de aula num escritório, com pranchetas etc. Isso ele vai aprender trabalhando. Na universidade deve ter a parte básica. Uma das melhores experiências da minha vida foi lidar com os estudantes de mestrado, que acabaram constituindo o atual corpo docente não só do Programa de Engenharia Civil, como de grande parte dos programas da Coppe.